As palavras <br>na guerra de Israel contra o Líbano<br><font size=-1>(Crítica aos apologistas da guerra)</font>

José Manuel Jara
Em momentos de crise política exacerbada torna-se visível a posição real dos intervenientes mais directos na produção e difusão de ideias sobre o que vai pelo mundo. A verdade transparece nestes momentos cruciais, há uma revelação, um desmascarar de quem fala a meia voz em períodos de acalmia. A guerra de Israel contra o Líbano é um detector destas verdades sobre o papel que cada um se vê levado a desempenhar no teatro de operações dos Media.
Guerra, palavra a evitar. Prefere-se, «A crise no Médio Oriente» (BBC World, CNN), «Debaixo de Fogo» (RTP 1), «O conflito», «A ofensiva». A omissão é flagrante. A guerra teria de ser tipificada como «guerra de agressão» de uma nação contra outra, mas não, trata-se de uma «ofensiva» contra «o Hezbollah». Como esta milícia libanesa está sedeada no Líbano (acrescentamos nós, porque é de libaneses…), como tem uma larga base popular, o «ataque» de Israel visa a fundo os locais onde habitam os libaneses, isto é, as aldeias, as vilas, as cidades, os transportes, as viaturas, as pontes, as infraestruturas do país atacado. O álibi é sempre o mesmo: porque o Hezbollah está lá… Que importância tem que fiquem mortas centenas de pessoas da população, crianças, velhos, mulheres, deficientes? É a guerra, sem dó nem piedade! Mas este facto visível nas reportagens de José Rodrigues dos Santos, eficientíssimo no retrato da violência cruel e criminosa da guerra vista do Líbano, transforma-se no filme realizado por Márcia Rodrigues, por conta do exército de Israel, num campeonato de tiro de canhão e de bombardeamento da força aérea hebraica contra o Líbano.

As «ra­zões» da guerra

Porquê a guerra? A sua causa verdadeira, a sua ilegitimidade, a sua brutalidade vão ser escondidas, desdramatizadas, justificadas. O «Hezbollah» é o terror, é o terrorismo, é a selvajaria, é o «mal»… Mas vemos, ouvimos e lemos as desgraças que acontecem aos libaneses, o terror, o horror, o caos, a catástrofe humanitária e ecológica, o pânico, o êxodo, a fome, a miséria, a morte! Vem de onde? Do céu, de aviões, de mísseis, de armas ditas inteligentes, fatais, eficientes em matar sem deixar morrer o agressor, o piloto e quem o envia. Em face deste inferno programado, vitimando populações inteiras, um milhão em fuga, mil mortos, cidades inteiras atingidas, afinal quem é o grande terrorista, quem é que incendeia, destrói, esfacela, sepulta? Perde qualquer credibilidade quem fale agora do terrorismo do Hezbollah, pois será um terrorismo menor, comparado com o de um Estado Nacional, através das suas forças armadas. Poderá haver comparação entre as grandes armas de destruição israelitas e a resposta com roc­kets do Hezbollah? A diferença em poder mortífero é abissal. Reina na guerra contra o Líbano a lei do mais forte, a lei da força militar. Se houvesse equilíbrio militar, se houvesse paridade, Israel não atacava o Líbano! Tirem-se as devidas conclusões no plano ético.
Mas, diz-se, é muito grave, a milícia xiita, é armada pela Síria e pelo Irão. O dito «eixo do mal», que já vem justificando invasões sucessivas no Médio Oriente, com horrores e morticínios intermináveis (dizia-se no Iraque que era para descobrir as armas de destruição maciça, mentira comprovada, e para levar a democracia… à boleia no helicóptero Apache!), estaria por trás do Hezbollah… E por trás de Israel, quem está? Quem fornece a tecnologia militar mais sofisticada, que permite destruir o inimigo com o mínimo de baixas para quem ataca? A supremacia dos ares, a aviação de alta altitude, a visionação nocturna do campo de batalha? Ora, a verdade é que o Hezbollah é uma milícia que surgiu da resistência ao invasor. Israel ocupou militarmente o sul do Líbano durante 18 anos, e retirou as suas forças precisamente porque teve muitas perdas no terreno, vítimas da luta pela libertação conduzida pelo Hezbollah. A guerra contra o Líbano é uma vingança através da força aérea para tirar desforra do fracasso da longa ocupação? Ou insere-se também num plano mais geral de afeiçoar o Médio Oriente aos interesses estratégicos imperialistas?
Numa entrevista ao Presidente do Líbano, Emile Lahud, reproduzida no El País (5/08/06), à pergunta, «A captura pelo Hezbollah de dois soldados israelitas valeu o preço que o seu país está a pagar? », a resposta é a seguinte:
«Crê que essa é a ver­da­deira razão pela qual Is­rael nos ataca em tal es­cala? Tudo es­tava pla­neado. Is­rael queria vingar-se da sua ex­pulsão do Lí­bano em 2000. Acre­dita que assim dá uma lição a todos os países árabes(…) Outra razão é que Is­rael não de­seja um Lí­bano prós­pero. De cada vez que a vida nos corre bem põe as patas em cima. A re­sis­tência existe porque antes de existir Is­rael fazia o que lhe dava na gana no Lí­bano. Vi­o­lava o nosso es­paço aéreo, as nossas águas ter­ri­to­riais, e agora, com a ajuda dos Es­tados Unidos, ataca os civis porque não con­segue atingir a re­sis­tência, porque não sabe onde está.»

O teste da re­a­li­dade

Paremos por aqui. Vamos fazer agora uma breve análise crítica aos publicistas que fazem a defesa da guerra. O que oferecem como argumentos e teorias explicativas, procurando racionalizar, persuadir e ficar de bem com a sua consciência? Aquela boa consciência que em tempo de paz apregoam, como a «defesa dos direitos humanos», a defesa dos valores civilizacionais, as liberdades, a «democracia», etc. O teste da realidade faz-se no momento crucial, que permite sondar o inconsciente ideológico e ético destas boas almas e brilhantes inteligências.
Constança Cunha e Sá crisma o seu artigo com o título, «Uma guerra imoral» (Pú­blico, 28 de Julho). A Constança Sá vendeu o título para ludibriar o leitor. Nem sequer aceita a tese da «resposta desproporcionada» de Israel:
«Falar em “res­postas des­pro­por­ci­o­nadas”, sem atender aos ob­jec­tivos po­lí­ticos que pre­vi­a­mente se de­finem é um da­queles dis­pa­rates que só passa por con­sen­sual quando a má-fé se con­juga har­mo­ni­o­sa­mente com a mais pro­funda ig­no­rância. » E, mais adiante, explica a sua teoria: «Com isto não se quer dizer ob­vi­a­mente que a in­ter­venção is­ra­e­lita no Lí­bano seja ir­re­pre­en­sível do ponto de vista es­tra­té­gico: a vi­o­lência dos ata­ques e a morte de cen­tenas de civis pode ter efeitos per­versos que au­mentem os apoios do Hez­bollah (…)».
Haverá maior imoralidade do que a perversidade acima estampada?
O «autor» que se segue é colectivo. A direcção da revista Sá­bado, no editorial «A escolha por Israel», de 20 de Julho. Em destaque afirma-se:
«Como o Hez­bollah tem como único ob­jec­tivo a des­truição de Is­rael, um diá­logo só pode acabar com a en­trega da pró­pria ca­beça numa ban­deja. »
A alternativa é a aplicação prática da teoria da «guerra preventiva»: como Israel pensa que o Hezbollah o quer destruir (?), então vá de destruir primeiro o Líbano. E os mortos civis? Como defender a causa da guerra, sem ofender os bons princípios de pessoas de respeito? Diz-se, para justificar, no Editorial da revista Sá­bado:
«Certo, matar civis e bom­bar­dear in­fra­es­tru­turas de Es­tados vi­zi­nhos são actos ter­rí­veis. Convém, porém, per­ceber que o Hez­bollah não tem es­tradas pró­prias, nem mantém uma dis­tância hi­gié­nica dos civis».
As limpezas da força aérea israelita não sabem contar os indefesos pouco asseados, vidas sem valor como noutros tempos os judeus foram para os nazis.
Neste percurso aparece-nos agora uma figura de grande inteligência retórica, José Pacheco Pereira, na mesma revista e na mesma data, em uníssono com a sua direcção sabática. Assina a sua crónica com o substantivo «Tretas». Que nos diz Pacheco nas suas tretas, a comentar as dos outros? Sem perda de tempo, vamos à sua prosa justificativa do morticínio de civis libaneses:
«Os civis que são mortos nos com­bates são-no por erro ou porque é há­bito dos grupos ter­ro­ristas usar civis como pro­tecção. »
Salvo erro as armas israelitas são de grande precisão. Ou não são? Ou os pilotos não têm boa pontaria, er­rare hu­manum est? Distraído, o cronista esqueceu-se que as mortes de civis não decorrem de combates, mas de bombardeamentos, de bombas, de cargas de artilharia, de mísseis de largo alcance. Sem combate, pois o Líbano não tem força aérea, nem artilharia anti-aérea, nem o Hezbollah, que apesar das insuficiências de armamento bem merece o lugar honorífico de exército do país que defende palmo a palmo em combates terrestres. Onde estão os civis, Dr. Pacheco Pereira? Em casa, nas suas casas, na sua terra. Ou defende o seu êxodo a mando dos comandantes do Tsahal? Êxodo de vias cortadas, com estradas bombardeadas, num exercício de terror e horror sem adjectivos. Onde está a sua gramática de direitos humanos, incendiada pelas bombas do Estado hebreu? Tretas?

«Nós» e «os ou­tros»

A «Crónica Feminina» de Inês Pedrosa merece alguns reparos. Primeiro, a sua crónica é de Marte e não de Vénus, apesar do título enganador «De que falamos quando falamos de paz» (Ex­presso, Única, 29 de Julho). A autora mostra-se muito revoltada por ter sido divulgado um abaixo-assinado, subscrito por pessoas tão ilustres como ela, que advogam a causa da paz, denunciam a guerra contra o Líbano como uma agressão contra um país independente e defendem a causa de um Estado Palestiniano. Na sua verve encarniçada afirma que o «abaixo-as­si­nado é ver­go­nhoso, porque mente e usa da má-fé na ar­gu­men­tação». Então, minha senhora, não há liberdade de expressão? Ou só a sua opinião tem direito a circulação? Compreende-se, depois, o alarmismo da cronista, pois pensa que o abaixo-assinado faz parte de um com­plot para acabar com o Estado de Israel:
«A res­posta de Is­rael tem sido des­pro­por­ci­o­nada, sim – porque o que está em cima da mesa, con­cre­ta­mente e de novo, é o di­reito a existir.»
Não passou pela cabecinha de Inês Pedrosa, que o Líbano e os libaneses, cidadãos do mundo como nós, pertencem à mesma espécie de Homo Sapiens Sapiens que os judeus e os israelitas, e têm também o direito de existir, de viver e de habitar em paz o seu país? Tal como os israelitas, claro!?
Quem vê Tony Blair, vê um santinho, de expressão delicodoce... Quando age é outro homem. Á revelia de parte do seu gabinete, fustigado por diversos deputados do La­bour, sempre, sempre ao lado de G.W. Bush, paralisa o «cessar-fogo» pedido por Kofi Annan. Tempo ganho para as forças armadas israelitas fazerem o job, acabarem a limpeza, destruírem tudo o que podem ainda. Parar a guerra, que horror! Mais umas centenas de civis libaneses e umas dezenas de israelitas, o que é que conta, quando a causa é de monta? Israel precisa de tempo, que ande depressa, mais depressa… na matança. João Carlos Espada, sempre muito bri­tish, limita-se a reproduzir a voz do dono na crónica «Mar Aberto» (Ex­presso, 5/08/06). Recitando a retórica blai­riana:
«A nossa res­posta deve ser um con­junto de va­lores que possa unir as pes­soas umas com as ou­tras: li­ber­dade, to­le­rância e jus­tiça.» E cita-o ainda: «Contra o arco do ex­tre­mismo, disse Blair, de­vemos cons­truir uma ampla ali­ança da mo­de­ração. »
Tão moderado! A aliança de Bush e dos neo-conservadores com os falcões israelitas, a aliança guerreira que aplica o seu método no Líbano, obtém resultados espectaculares, com o belo score de um mi­lhar de mortos até hoje, 7 de Agosto, 27.º dia da guerra: a maioria são civis, um terço crianças, vidas apagadas, destroçadas, a fuga do Líbano a lembrar a do Egipto! Desculpe-me, estou a aplicar apenas a teoria de Popper da refutação possível de qualquer tese, tão do agrado do J..C..Espada.
Nesta panorâmica da reacção à guerra de Israel contra o Líbano brilha no firmamento de ironia a jornalista Helena Matos. A sua especialidade é o contra-ataque à esquerda. Vale a sua caricatura do pacifismo, que designa por «O wres­tling pacifista», na sua crónica do Pú­blico (5/08/06). Para a autora, o pacifismo é uma espécie de jogo, um bluff… Mas, respondemos nós, o militarismo, a reedição da política da canhoneira à moda nova, com mísseis, caças furtivos e o resto, a lei da força do colonialismo e do imperialismo não é um wres­tling de artes marciais, são factos palpáveis e visíveis mesmo através dos vídeos a preto e branco exibidos no tiro ao alvo do avião bombardeiro. Seria bom que uma pessoa tão segura nas suas teses, como H. Matos, pensasse por um momento o que seria da sua sólida personalidade se vivesse nos sítios bombardeados pela aviação israelita, em Tiro, Sídon ou Beirute. Inscrevia-se, se calhar, no Hezbollah… E se vivesse na Palestina, cercada e atacada a cada hora? Defenderia, se fosse palestiniana, a política militarista do Estado de Israel? Diz a articulista que «o fun­da­men­ta­lismo, ou o que va­ga­mente se de­clare al­ter­na­tivo (não fazem mais do que servir uma das partes) - e si­mul­ta­ne­a­mente pra­ticar uma es­pécie de hos­ti­li­dade se­lec­tiva pe­rante a pos­si­bi­li­dade de al­guns povos po­derem viver como nós vi­vemos.»
O problema é precisamente essa total incapacidade de empatia com o outro, esse antagonismo essencial de «nós» e «outros» povos, fundamento do racismo, da pretensa superioridade de uns e do rebaixamento de outros povos. Um libanês não vale o mesmo que um israelita? Para os outros viverem como «nós» queremos, temos de os assimilar e de os exterminar? O que aconteceu aos índios na América do Norte?
A suprema inteligência que nunca se engana, o cérebro frio e calculista de um Maquiavel de gabinete, eis em pessoa o cronista de talento que dá pelo nome de Vasco Pulido Valente. É um autor cativante. A sua preocupação permanente é sair sempre das suas crónicas como um guerreiro vitorioso. Daí o cuidado em atacar o adversário até ao knock out definitivo. E vê sempre uma evidência que os outros, menos dotados, só entrevêem. Na sua crónica «Realidades» (Pú­blico,28/07/06) aplica o seu algoritmo, para justificar ad eternum o estado das coisas no Médio Oriente. Como se estivesse de fora, num estilo olímpico, afirma:
«Pri­meira re­a­li­dade: re­a­li­dade mi­litar, Is­rael não pode aceitar um Es­tado Pa­les­ti­niano» (…). «Se­gunda re­a­li­dade: a re­a­li­dade po­lí­tica. A Eu­ropa in­siste numa so­lução po­lí­tica» (…). E, mais adiante: «Ne­go­ciar seria sui­cídio. » (…). «Ter­ceira re­a­li­dade: a re­a­li­dade do Islão. O Islão não con­se­guiu en­trar no mundo mo­derno (...). Nin­guém no Islão vive ou vi­verá em paz com Is­rael. Ou com o oci­dente.»
A originalidade de VPV consubstancia-se afinal na velha tese de Samuel Huntington do «choque de civilizações», uma profecia auto-promovida (a self-ful­fil­ment prophecy). Veja-se o sincretismo em que confunde o fanatismo islâmico teocrático com o Islão como religião. Veja-se a visão militarista fatalista com que vê a ordem política mundial, como se prevalecesse e tivesse de prevalecer a lei da guerra nas relações política internacionais. Impassível perante os horrores da guerra, das guerras? Lá, no Médio Oriente, bem longe, as realidades são apenas mentais. E, pela teoria advogada, são tão fatais como uma fatwa de sinal contrário.

Sem pontes para a paz

Estamos perto do fim desta empreitada. Por uma questão de método demos sempre a palavra ao cronista contrariado. Mas a brevidade de um texto obriga a algumas amputações cruentas, sem prejudicar o sentido da operação. José Lello, uma figura com destaque político, Secretário Internacional do PS, também será objecto de análise pela sua crónica, «Médio Oriente: o factor radical» (Pú­blico, 5/ 08 /06). Justiça seja feita, o autor não é um radical. Mete água na fervura, ou, pelo menos tenta. Diz, no fim da sua crónica:
«Mais do que tomar par­tido por um ou outro lado, é pre­ciso acabar com esta lou­cura que mina o Médio Ori­ente e ar­rasta o mundo para uma es­piral de in­cer­teza quanto ao fu­turo.»
Uma clara percepção da possível reacção em cadeia: quem semeia ventos, colhe tempestades; aceso o rastilho, quando e onde vai acabar o incêndio?
José Lello comunga da tese dominante nos países ocidentais de que a guerra foi desencadeada como reacção: «Neste con­flito, que atinge Is­rael e o Lí­bano (…) não deixa de ser re­ve­lador que o seu início tenha tido origem em in­cur­sões pro­vo­ca­tó­rias de grupos ter­ro­ristas sobre o ter­ri­tório is­ra­e­lita.» E acrescenta, mais adiante que de uma franja mais radical do Hamas e do Hezbollah, «dependente das orientações da Síria e do Irão». E fala ainda de «uma guerra aberta contra os is­ra­e­litas», encetada pelos grupos acima referidos, que teriam sido inflamados pelos discursos do Presidente iraniano.
Chamar guerra a conflitos fronteiriços, em territórios que Israel conservou da sua antiga ocupação do Líbano e da Síria, será algo exagerado. Pensar que essas escaramuças banais foram a causa de uma guerra, com todas as letras, como a do ataque ao Líbano por terra, ar e mar!? É duro de aceitar. Parece mais plausível que tudo estava artilhado para ao menor pretexto se precipitar o ataque. Em tempo de guerra a verdade não tem valor facial. É um segredo da contra-informação. A guerra é também um confronto de ideias e justificações, de propaganda militar, em que meias-verdades se compõem com mentiras, boatos, desinformações, etc. José Lello hesita: «Daí, pro­va­vel­mente, a res­posta tão vi­o­lenta e des­pro­por­ci­o­nada de Is­rael, que lhe valeu ter já per­dido na frente me­diá­tica o ca­pital que a razão lhe con­feria. »
Esta mesma benevolência, que faz José Lello chamar guerra à «provocação» e chamar à guerra de facto apenas «resposta violenta e desproporcionada», leva-o também a desculpar os EUA nas pessoas de G. W. Bush e Condoleeza Rice, dizendo que «estão a to­lerar o pro­lon­ga­mento do con­flito em função da sua visão do mundo e do seu in­te­resse par­ti­cular no com­bate ao ter­ro­rismo, da pa­ci­fi­cação e de­mo­cra­ti­zação da re­gião». De notar que depois do massacre de Qanã, o Primeiro-Ministro do Líbano, Siniora, tido por moderado e mesmo pró-ocidental, recusou-se a receber C. Rice, que vinha pousar em Beirute depois de conversações em Jerusalém, e teve de alterar a sua rota. Os olhos de J. Lello vêem «um es­pec­tá­culo (do ponto de vista ci­vi­li­za­ci­onal) de­plo­rável de morte, des­truição e so­fri­mento». E compadece-se com o destino de centenas de milhares de libaneses, vítimas duma catástrofe humanitária cem vezes pior do que a réplica sentida no norte de Israel. Mas a sua razão mantém-no ao lado do mais forte, num esquema rígido, que não lhe permite sair da quadratura imposta pela ideologia dominante.
O mais experiente e avisado dos cronistas, José Cutileiro, com larguíssima experiência nos meandros da chamada «comunidade internacional», tece a sua crónica semanal, «O mundo dos outros» (Expresso 5/08/06), com o título «As coisas são o que são». É um realista prático, bem diferente do esgrimista teórico Vasco P. Valente. Que se espera desta guerra? Diz José Cutileiro:
«Parar a guerra para ne­go­ciar de­pois a paz pa­rece im­po­sição evi­dente de hu­ma­ni­dade e bom-senso. Não é tão sim­ples. Cer­ta­mente ao Hez­bollah, aos seus men­tores ira­ni­anos e sí­rios e a todos os ji­a­distas an­ti­o­ci­den­tais con­viria um cessar-fogo ime­diato e in­con­di­ci­onal: o sul do Lí­bano con­ti­nu­aria nas mãos de mi­lícia xiita, que nunca de­sarmou (…).»
Esta longa citação é muito útil porque põe em evidência o que vimos dizendo. A guerra era do interesse de Israel, não a pode parar a meio, pois contrariamente à propaganda oficial, não é uma retaliação, uma resposta, mas uma ofensiva militar programada para submeter o Líbano e desarmar e, se possível, destruir o Hezbollah. Diz José Cutileiro, sem grande diplomacia: «As coisas são o que são»..
E o que são? Como Israel não conseguiu destruir o Hezbollah, durante quase duas décadas de ocupação do Líbano, antes pelo contrário foi um factor genético do seu surgimento, seis anos depois de uma desonrosa desocupação do sul do país dos cedros, com próximo de oitocentos militares mortos em combate, eis que tenta uma nova guerra. Espera limpar o terreno, destruir o país, submetê-lo até ao limite. Prefere o ataque aéreo para poupar a valiosa vida dos seus militares. Depois, apadrinhado por Bush, Blair e alguns novos consortes, tentará passar o frete, o encargo muito pesado para si (que fracassou antes), a uma entidade, uma força internacional, pronta para o seu serviço. Mas são conjecturas, há muitos imponderáveis. E muita água e sangue irá correr ainda no rio Litani, sem pontes para a paz. A sua reconstrução será muito difícil.

NOTA:
sub­tí­tulos da res­pon­sa­bi­li­dade da Re­dacção



Mais artigos de: Temas

Acumulação da riqueza social

Jorge Gerdau Johannpeter é um dos maiores empresários brasileiros, membro destacado da elite capitalista. Ampliou as actividades do seu grupo produtor de aço ao Chile, Canadá, Estados Unidos e, recentemente, à China. Em recente entrevista à televisão reconheceu que a China vence as barreiras para o crescimento económico nacional (de 9,9% em 2005), «graças à eficiente gestão feita pelo Estado chinês que tem por meta atender aos interesses do país e não, como ocorre habitualmente nos outros países, aos interesses corporativos». Não se tratava de uma defesa ideológica do país comunista, mas uma clara compreensão de que a única solução para o desenvolvimento nacional em qualquer país «é um governo que atenda às necessidades nacionais», que zele pela «educação que capacita o trabalhador para enfrentar a competitividade do mercado», com uma «atitude mental que valoriza a disciplina e o trabalho de equipa».